Entre 100 e 120 traficantes paraenses estariam escondidos em favelas da cidade do Rio de Janeiro, sob a proteção do Comando Vermelho (CV), uma das principais facções nacionais do tráfico de drogas, e à qual são ligados.
A estimativa é da promotora de Justiça Ana Maria Magalhães de Carvalho, coordenadora do Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público do Pará (MP-PA).
Segundo ela, a “migração” desses criminosos é decorrente das ofensivas do Governo Estadual, MP-PA e Judiciário, para desarticular o tráfico de drogas, no estado.
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A promotora destaca, também, o papel de pesquisadores acadêmicos nessa ofensiva, já que as suas pesquisas ajudaram a entender tanto o funcionamento do CV e do Primeiro Comando da Capital (PCC), a outra grande facção que domina o tráfico no país; quanto dos grupos criminosos regionais, aos quais o CV e o PCC se aliaram, em suas disputas sangrentas pelo controle das rotas do tráfico.
Acredita-se que o CV se reestruturou em 2007 ou 2008, para dominar o mercado nacional de entorpecentes, já que o comércio com o exterior é dominado pelo PCC.
Foi mais ou menos nessa época que o CV chegou ao Pará. Pouco depois, passou a dar as cartas dentro das penitenciárias, o que se prolongou por cerca de 15 anos, ou seja, até meados de 2019. Ao longo desse período, segundo a promotora, os criminosos do CV eram os “conselheiros finais” que determinavam as regras nas prisões paraenses: tinham “o poder de vida e de morte sobre os detentos” e cobravam taxas por visitas íntimas, uso de ventiladores, recebimento de alimentos trazidos pelos parentes dos presos, idas ao fórum para as audiências, por exemplo.
Mas a situação viria a piorar ainda mais, a partir de 2016 e 2017, segundo pesquisadores. Em junho de 2016, ocorreu o assassinato do traficante Jorge Rafaat, que controlava a chamada “rota caipira”: a porta de entrada de entorpecentes no Brasil, através das cidades de Ponta Porã, no estado do Mato Grosso do Sul, e de Pedro Juan Caballero, no Paraguai. Com isso, o PCC assumiu o controle daquela rota e o CV perdeu o acesso aos seus fornecedores, através daquela região.
Assim, teve que buscar rotas alternativas. E acabou fortalecendo as suas alianças com grupos criminosos da Região Norte, para controlar a “rota do Solimões”, cuja porta de entrada é no estado do Amazonas, na região das fronteiras entre o Brasil, Peru e Colômbia, os dois últimos, junto com a Bolívia, os grandes produtores mundiais de cocaína.
A “rota do Solimões” passa pelo Pará, de onde a droga é transportada para outros estados e, também, para o exterior. “O skunk vai para o Nordeste e também fica por aqui, no Pará. Já a cocaína vai para o exterior”, diz a promotora. Segundo ela, mais de 60% da droga apreendida na Europa, nos últimos 5 anos, saiu do Brasil através do porto de Vila do Conde, no município de Barcarena.
Ela acredita que esses acordos, para o controle da “rota do Solimões” são o motivo mais provável para a aceitação dos traficantes paraenses, nas favelas cariocas, sob a proteção do CV. A preferência da cúpula do tráfico paraense pelo Rio de Janeiro seria, sim, devido à essa proteção e, também, devido à configuração daquela cidade, já que os morros dificultam a ação policial, dando tempo para que os criminosos fujam ou se escondam.
No entanto, ela observa que essa “migração” também ocorre para outros estados, onde já ocorreram várias prisões: 8 no Ceará, 5 em Santa Catarina e duas em Minas Gerais. “Nesses outros estados, eles tentam levar uma vida como se não fossem bandidos, às vezes até para que as famílias deles levem uma vida mais normal, já que o Rio de Janeiro acaba sendo como uma prisão, uma vez que não podem sair das favelas, porque correm o risco de ser presos”, comenta. E o fato da busca por outras paragens não se limitar ao Rio, é que a faz salientar o papel da ofensiva do Pará contra o tráfico de drogas.
MEDIDAS
Segundo a promotora, a partir de 2019, o Pará adotou um conjunto de medidas que fizeram com que as lideranças do crime organizado “se sentissem vulneráveis em permanecer no nosso estado, levando-as a essa migração”. Na época, houve a decisão política de reestruturar o sistema carcerário paraense: após o massacre de traficantes do CV, na penitenciária de Altamira, por criminosos locais aliados do PCC, o governador pediu ajuda ao Ministério da Justiça.
Com isso, foi enviada ao Pará a Força-Tarefa de Intervenção Penitenciária (FTIP), que aqui permaneceu entre julho de 2019 e agosto de 2020. “Tivemos a implementação de mudanças significativas nas políticas públicas, no sistema penitenciário paraense”, recorda.
Entre elas, a mudança da estrutura do sistema penitenciário, que deixou de ser apenas uma autarquia e ganhou o status de secretaria estadual. “Não vou listar todas as medidas, que foram muitas”, escreveu ela, em um texto enviado à reportagem. “Mas afirmo que, a partir delas, o Estado assumiu o controle do ambiente carcerário, com reflexos para dentro e fora dos muros das unidades penitenciárias”.
A perda do controle das penitenciárias pelas facções funcionou como um aviso aos seus integrantes: se forem presos, cumprirão suas penas sem a possibilidade de comandar o crime dentro ou fora das prisões, como, aliás, sempre deveria ter sido.
Além disso, o Estado também criou uma delegacia específica de combate às facções criminosas, para identificar as lideranças desses grupos, o que levou, já em 2021, ao indiciamento dos cabeças paraenses do CV, ou os seus “conselheiros finais”, como são chamados. Segundo a promotora, o inquérito virou uma ação penal, que está prestes a ser sentenciada.
Entre os acusados estava o “presidente da filial” do CV paraense, Leonardo Costa Araújo, o “Léo 41”. Mas o processo contra ele foi extinto, já que ele morreu no Rio de Janeiro, no último 23 de março, junto com mais 8 traficantes paraenses, que trocaram tiros com os policiais que tentavam prendê-los. Léo 41 estava foragido desde 2019.
No Rio, além de ostentar uma vida de luxo, ordenava extorsões e outros crimes, lá e cá, incluindo a matança de policiais do Pará. Segundo a promotora, as melhorias na polícia, no Gaeco e também na Vara de Combate ao Crime Organizado, já resultaram na condenação de mais de 20 integrantes do CV.
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