O relator da PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição, senador Alexandre Silveira (PSD-MG), apresentou nesta terça-feira (6) uma versão que, apesar de reduzir o prazo de vigência de quatro para dois anos, prevê uma autorização de até R$ 198 bilhões para o início do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Em acordo com líderes do Congresso e o PT, o relator deixou uma brecha para que a PEC também possa abrir espaço no Orçamento de 2022. Com isso, há margem para que o governo de Jair Bolsonaro (PL) libere emendas parlamentares que estão bloqueadas por causa do aperto fiscal.
A articulação para usar a PEC de Lula para destravar as emendas de aliados de Bolsonaro foi revelada pela Folha de S.Paulo em novembro.
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A PEC foi proposta pela equipe de Lula, que espera aprovar o texto ainda neste ano. O relatório de Silveira foi apresentado em sessão da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado. Depois, o texto ainda precisa passar pelo plenário da Casa com o apoio de pelo menos 49 senadores.
Diferentemente do texto original, que previa colocar o Auxílio Brasil (que será rebatizado de Bolsa Família) fora do teto de gastos, Silveira propôs um aumento de R$ 175 bilhões na limitação de despesas.
A ideia é que esse valor seja usado para manter o benefício social no valor de R$ 600 e pagar mais R$ 150 por criança até seis anos.
No entanto, o texto do relator não coloca um carimbo no valor de R$ 175 bilhões. Portanto, se Lula gastar menos com o programa social, poderá usar a sobra desse montante em outras áreas.
Esse modelo é de interesse do PT, que já vê dificuldade em implementar nos primeiros meses o benefício adicional de R$ 150 por criança no Bolsa Família.
INVESTIMENTOS ADICIONAIS
Outro dispositivo permite investimentos adicionais quando houver receitas extraordinárias, até o limite de R$ 23 bilhões -na prática, pelo texto inicial, o extrateto seria de R$ 198 bilhões. O relator retirou a trava de que essa medida valeria apenas a partir de 2023.
Com isso, segundo técnicos e líderes partidários, há espaço para que o dispositivo comece a valer já neste mês e libere recursos no Orçamento para as emendas de relator -controladas pela cúpula do Congresso e usadas como moeda de troca em negociações políticas.
Antes da sessão da CCJ, Silveira negou que tenha participado de negociações para destravar emendas de relator. Segundo ele, a antecipação foi incluída para que o governo atual consiga fechar as contas -como mostrou a Folha de S.Paulo, o Ministério da Economia teme o risco real de que falte dinheiro inclusive para o pagamento de aposentadorias.
"Eu não tive nenhuma participação nessas negociações sobre o que chamam de orçamento secreto, e eu chamo de emendas de relator. O que tem no relatório, na verdade, é para se discutir na CCJ valores para fechar o exercício deste ano porque há um déficit. Esse governo não tem números para fechar o país do ponto de vista fiscal e isso é muito sério."
Silveira também apontou que o governo eleito vai apresentar um novo arcabouço fiscal até o final de 2023 "com o objetivo de garantir a estabilidade macroeconômica do país e criar as condições adequadas ao crescimento socioeconômico".
Além disso, o relator afirma que, ao travar o aumento do teto em R$ 175 bilhões, o mercado financeiro pode ficar mais tranquilo, já que isso reduz a expectativa de que o novo governo adote medidas que ampliem ainda mais a previsão de despesas do programa social.
"Trata-se da previsão de uma lei complementar para instituição de regime fiscal sustentável (um novo arcabouço fiscal), inspirada na PEC nº 34, de 2022, que deverá ser encaminhada pelo Presidente da República ao Congresso Nacional até 31/12/2023", escreveu.
"Importante destacar um ponto que vai atrair a convergência nesse projeto. Eu me debrucei completamente e com muito afinco sobre os números do Orçamento de 2022 e 2023. Se nós repetirmos exatamente a execução orçamentária de 2022, nós precisamos de R$ 148 bilhões para executar os mesmos investimentos em 2023", disse.
"Ou seja, nós não estamos saindo daquilo que foi o governo Bolsonaro em 2022. Se ele tivesse ganhado a eleição, ele teria que fazer a mesma coisa. Ou então teria que passar o aperto que está passando agora no final do ano. E ainda assim precisando achar soluções porque não consegue fechar as contas públicas."
PROMESSAS DE CAMPANHA
A PEC prevê a liberação de espaço no Orçamento para que Lula consiga cumprir promessas de campanha, como o valor mínimo de R$ 600 para beneficiários do Bolsa Família e o aumento real (acima da inflação) do salário mínimo.
Inicialmente, a equipe de transição do novo governo defendia que o programa de transferência de renda fosse excepcionalizado do teto de forma permanente (sem prazo definido). O texto protocolado pelos aliados de Lula no Senado previa a exclusão do Bolsa Família do teto por quatro anos.
Mesmo com o recuo, líderes do Congresso resistiam a dar esse cheque para Lula gastar durante todo o mandato. A avaliação da maioria dos partidos era de que a medida enfraqueceria o poder de barganha da Câmara e do Senado com o novo governo.
Por isso, como mostrou a Folha de S.Paulo no fim de novembro, o PT já admitia ceder para o prazo de dois anos após a cúpula do Congresso e líderes partidários concluírem que a PEC só teria chances de passar nesse formato.
Uma ampliação de despesas na magnitude pretendida pelo PT (R$ 198 bilhões), sem compensação com elevação de receitas ou corte de outros gastos, teria como consequência a elevação do déficit das contas em 2023.
O Orçamento projeta oficialmente um rombo de R$ 63,5 bilhões, mas o atual governo atualizou essa estimativa para um número menor, embora ainda negativo em R$ 40,4 bilhões.
A existência de déficits públicos indica que o governo está financiando despesas por meio de emissão de um volume maior da dívida brasileira. O custo fica próximo da taxa básica de juros da economia, a Selic, hoje em 13,75% ao ano.
No início da sessão da CCJ, senadores da base do governo Bolsonaro indicaram que pretendem pedir vista (mais tempo para análise). Neste caso, a PEC poderia ser votada na CCJ na quarta de manhã e no plenário do Senado na quarta à tarde (7).
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