Logo cedo, antes mesmo do café da manhã, milhões de brasileiros engolem um comprimido que se tornou onipresente em consultórios, farmácias e unidades básicas de saúde: a losartana.
O gesto automático, repetido diariamente, é também um retrato do que se tornou um dos maiores desafios sanitários do país, o avanço silencioso da hipertensão e a dependência crescente de um único medicamento para controlá-la.
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O remédio, hoje o genérico mais vendido do Brasil, ultrapassa até analgésicos tradicionais. E seu domínio não se resume ao envelhecimento da população. Especialistas apontam que a alta prevalência de pressão alta está profundamente ligada ao estilo de vida nacional: pouco movimento, sono irregular, alimentação inadequada e busca tardia por atendimento.
Brasil hipertenso e diagnóstico cada vez mais rigoroso
Três em cada dez adultos brasileiros convivem com hipertensão, índice acima da média global. A situação ganhou contornos ainda mais preocupantes após a Diretriz Brasileira de Hipertensão de 2025 reduzir o limite considerado ideal, classificando 12x8 como pré-hipertensão. Com a nova régua, mais pessoas entram no grupo de risco.
Para médicos, o novo cenário apenas confirma a incapacidade crônica do sistema de saúde em prevenir a doença, atuando quase sempre quando ela já está instalada.
Por que a losartana virou indispensável
A popularização do medicamento tem raízes biológicas e sociais. A losartana age justamente em um ponto-chave do mecanismo que regula a pressão: ela bloqueia o receptor que recebe o comando para contrair os vasos sanguíneos. Sem esse “aviso”, a tensão arterial diminui.
A eficácia, aliada ao baixo custo, tornou o comprimido um aliado importante e, para muitos, inevitável. Além de ser produzida nacionalmente, é distribuída de forma gratuita na rede pública, o que aumenta a adesão.
Mas os médicos lembram que a losartana não é a única opção. O tratamento de hipertensão costuma envolver três grandes grupos de medicamentos: diuréticos, bloqueadores de canais de cálcio e os bloqueadores do sistema renina–angiotensina–aldosterona, categoria da qual a losartana foi pioneira.
Versões mais recentes, como candesartana e omesartana, têm ação mais prolongada e exigem apenas uma dose diária, mas ainda não alcançam a mesma popularidade.
Uso sem acompanhamento preocupa
O sucesso do remédio trouxe também um efeito colateral: o uso sem orientação médica. Muitos começam a tomá-lo por indicação familiar ou após medir a pressão elevada uma única vez. O número pode até cair rapidamente, mas a causa permanece, e pode esconder problemas mais sérios, como apneia do sono, estreitamento da artéria renal ou doenças hormonais.
A normalização aparente cria uma falsa segurança. Para especialistas, o maior risco não está no comprimido, mas na ausência de investigação e de acompanhamento contínuo.
Controle não é cura
Mesmo eficaz, a losartana não resolve a raiz da hipertensão. A diretriz de 2025 reforça que a pressão alta deve ser avaliada de forma mais ampla, considerando fatores como obesidade, diabetes, sedentarismo, sono e estresse. Sem isso, o tratamento vira uma corrida para apagar incêndios.
E parte do problema está na porta de entrada do sistema: a atenção primária não consegue acompanhar de forma regular a população, o que faz com que o diagnóstico muitas vezes aconteça tarde demais, após sintomas ou até após eventos cardiovasculares.
Remédio é seguro, mas fabricação exige rigor
Os especialistas concordam: quando produzido por laboratórios confiáveis e usado corretamente, o medicamento é seguro para uso prolongado. A preocupação que marcou o recall de 2018, causado por contaminações em alguns lotes, não se repetiu após o reforço das fiscalizações. Análises recentes de 2025 indicam ausência de impurezas.
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O verdadeiro desafio está fora da caixa de remédios
Para os médicos, a principal ameaça à saúde cardiovascular dos brasileiros não é a losartana, é a crença de que ela basta. A hipertensão é, em grande parte, influenciada por fatores modificáveis, mas que exigem constância: reduzir o sal, aumentar o consumo de vegetais, dormir melhor, perder peso quando necessário, praticar exercícios e lidar com o estresse.
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