Quantas memórias estão guardadas nos traços arquitetônicos dos casarões que povoam uma cidade? No caso de Belém, especialmente no centro histórico, algumas grandes construções dizem sobre um arquiteto de origem italiana que foi responsável por grandes transformações no cenário da Belém ainda em formação da segunda metade do século XVIII, Antônio José Landi.
Natural de Bolonha, na Itália, Antônio José Landi chega a Belém com uma missão muito específica e que não necessariamente estava relacionada à realização das projeções e construções arquitetônicas monumentais que, mais tarde, ele acabou por imprimir no cenário da então capital do Estado do Grão-Pará.
Aos 40 anos de idade, ainda em 1753, portanto no século XVIII, Landi vem para o Pará e permanece na Amazônia por 38 anos, até a sua morte em 1791, aos 78 anos de idade. Nessas quase quatro décadas de permanência na região, ele é responsável por uma significativa transformação física ocorrida em Belém na segunda metade do século XVIII.
“Landi faz parte de uma comissão demarcadora dos limites do Tratado de Madri, a convite do rei Dom João V. Através dessa comissão ele vem, junto com outros profissionais, para Belém”, explica a professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) e da Faculdade de Conservação e Restauro (FACORE) da Universidade Federal do Pará (UFPA), a arquiteta Elna Trindade. “Ele vem com a condição de riscador de mapas e desenhador de história natural, com toda a sua formação de arquiteto”.
Apresentando uma capacidade artística admirável, Landi acaba se sobressaindo durante a atuação em Belém e sendo responsável por implantar diversas edificações extremamente representativas e que são referências dentro do centro histórico de Belém e até mesmo fora dele.
“Ele implanta um estilo que hoje a gente chama de ‘estilo Landi’, classificado como barroco tardio italiano. Esse estilo dele, o barroco tardio italiano, tem muita semelhança com os traços neoclássicos, que era um estilo mais conhecido no Brasil. Mas o barroco tardio italiano, particularmente, vai ser um estilo mais limitado ao Landi e que vai difundir um pouco também para algumas igrejas no Rio de Janeiro, mas que vai ser muito mais representativo em Belém”.
Para entender um pouco das influências que ainda hoje podem ser vistas nas obras deixadas por Landi em Belém, Elna rememora algumas experiências enfrentadas pelo arquiteto ainda antes de ele chegar à Amazônia. “Quando ele sai da Itália, exatamente do porto de Gênova, em 1750, ele passa primeiro por Portugal antes de vir para o Brasil. Porém, nesse momento que ele chega em Portugal, morre o rei que o mandou buscar, o Dom João V, e assume o Dom José I”, conta a arquiteta.
“Então, para essa comitiva vir para a Amazônia, precisa esperar toda essa mudança de corte. Landi fica aproximadamente por três anos em Lisboa e essa estadia dele lá, como um profissional das artes e da arquitetura, faz com que ele assimile um estilo que está sendo implantado mesmo antes da reconstrução de Lisboa, chamado de estilo pombalino. Ele assimila alguns traços e ele deixa um pouco dessa marca do estilo pombalino nas suas edificações aqui na Amazônia, precisamente em Belém”.
A professora estima que 90% das obras projetadas por Landi estão concentradas na Amazônia, na capital paraense. Na Itália, seu país de origem e para o qual ele nunca retornou depois de chegar ao Brasil, existe hoje apenas uma única obra do arquiteto, a Igreja de Santo Agostinho, localizada em uma cidade chamada de Cesena. “Foi projeto dele, mas quando ele estava administrando a construção, ele foi chamado para a expedição que viria para o Brasil e deixou a construção na mão de outro arquiteto”, explica.
REGISTRO
Além de demarcar os limites territoriais, Antônio Landi chega a Belém com a missão de também registrar, através de desenhos, quais eram as vegetações, as plantas e suas propriedades, e os animais existentes na região. Apesar da grande habilidade para o desenho, foi nos projetos arquitetônicos que Landi deixou o seu maior legado em Belém. “Landi deixa em Belém 11 igrejas e 4 obras de arquitetura civil.
“Alguns projetos que ele faz são os que a gente considera projetos de raiz. São projetos íntegros do Landi, iniciados do zero. Ele começa a projetar e deixa esses desenhos, esses projetos assinados por ele”, explica a professora. “Já as chamadas atribuídas, que são aquelas que Landi faz intervenções, aquelas que não tem projeto assinado ou que não existe projeto. A atribuição é dada pela referência do nome do Landi como arquiteto nos documentos históricos da capitania. A outra coisa que nos leva a fazer essa atribuição é a aproximação do traço dele nas obras assinadas com aquelas que consideramos atribuídas a ele, não só o traço arquitetônico, mas também o projeto da espacialidade, da distribuição na planta. Há alguns elementos de planta que são marcantes nos projetos dele e que caracterizam aquele projeto religioso ou civil”.
No caso das obras que Landi promoveu intervenções, Elna cita a Igreja da Sé. “Quando Landi chega aqui, a Igreja da Sé já estava construída até determinada altura. Então, o que Landi faz? Ele termina a fachada e faz algumas obras no interior dela. É a isso que chamamos de intervenções”, exemplifica. “Nos projetos de raiz temos o projeto do Palácio do Governo, hoje Museu do Estado; da Casa das Onze Janelas, que foi o antigo hospital militar; da Igreja de Sant’Ana e da Igreja de São João”.
No período em que Landi executa esses projetos, o Brasil estava dividido em dois grandes estados, o Estado do Brasil, cuja capital era Salvador, e o Estado do Grão-Pará cuja capital foi inicialmente São Luís e depois Belém. Quando o arquiteto chega a Belém, ela já era a capital do Estado do Grão-Pará e, portanto, tinha ligação direta com Portugal, não tendo que passar por Salvador para a tomada de decisões.
Outra característica da época, ainda no século XVIII, está no fato de o desenvolvimento da cidade ainda ser muito lento. Belém ainda tinha uma arquitetura e um traçado muito simples, em sua maioria, ainda feita de taipa, de barro, com cobertura, às vezes, até de vegetais. Era uma cidade que tinha uma realidade espacial bem contrastante à empregada por Landi a partir da sua chegada.
“Quando Landi vem para a Amazônia era o período de reformas feitas pelo Marquês de Pombal, já no reinado de Dom José I. O rei e o marquês queriam transformar essa cidade numa grande cidade do Império Ultramarino, com a ideia de uma cidade monumental e que vai estar muito bem retratada nos prédios de Landi, que vão ser encarregados de transmitir esses ares urbanos, civilizatório e que era bastante distante daquela realidade socioespacial que existia na época”, explica Elna. “Landi chega e implanta uma arquitetura que é monumental até hoje”.
À medida em que se aproxima de Belém pela Baía do Guajará, o que chama a atenção no horizonte da cidade é a exuberante silhueta da Igreja da Sé. O efeito causado pela fachada grandiosa é um exemplo claro de uma característica deixada por Antônio Landi no espaço urbano de Belém, a monumentalidade de suas construções.
Arquitetura monumental
Professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), o arquiteto Flávio Nassar aponta que a arquitetura deixada por Landi, por exemplo, nas praças e largos da cidade é o que vai dar esse sentido de monumentalidade para Belém. “Se você tem uma praça e nela está, digamos, um prédio acanhado dominando aquele espaço, aquela praça vai ter um determinado efeito visual. Mas se você tem um prédio monumental, esse prédio vai arrebatar para si toda a visão, todo o interesse de quem entra naquela área, funcionando como um ímã, um sistema de força que vai atrair a atenção”, explica, ao descrever o efeito causado pelas obras monumentais de Landi.
“Um exemplo disso é o Largo da Sé, onde a fachada da Catedral é um projeto do Landi. É uma catedral grandiosa, até hoje ela é a maior construção religiosa dos domínios portugueses. Envolvendo as construções que eles fizeram na África, na Índia, na China, nas colônias portuguesas Angola, Moçambique, essa é a maior igreja. Então, ela dá esse sentido de monumentalidade àquela praça”.
É por essa razão que as torres da Catedral de Belém podem ser vistas à distância, tanto por quem se aproxima do Complexo Feliz Lusitânia por dentro da cidade, por carro ou a pé, quanto por quem chega a Belém pelo rio à altura do centro histórico.
IGREJA DO CARMO
Tal monumentalidade também é observada na Praça do Carmo, diante da presença exuberante da fachada da Igreja do Carmo; no largo de Sant’Ana, já em dimensões um pouco menores e também na área da Igreja das Mercês. “Você vê que esses pontos, as torres dessas igrejas, são as mais altas, dominam o ambiente. É possível imaginar esses pontos como que marcando o espaço da cidade, então é esse caráter de monumentalidade que essa obra de Landi vai conferir ao espaço urbano, destacando o papel visual dos largos e praças”, explica Flávio Nassar.
“Isso é uma característica que vai diferenciar a cidade, que vai acabar com aquilo que a gente poderia chamar de monotonia das construções civis, das casas, e que vai marcar a cidade com essa arquitetura monumental”.
Quem foi Landi?
Landi foi um arquiteto italiano, nascido em Bolonha no início do século XVIII. Foi aluno de uma escola importante dentro das artes, chamada Academia Clementina de Bolonha. Ao se formar, se torna professor nessa mesma academia, depois diretor e, mais tarde, membro vitalício. Ele vem para Belém na qualidade de riscador de mapas e desenhador de história natural, integrando uma comitiva formada a pedido do então rei de Portugal.
Landi viveu na Amazônia até a sua morte, em 1791, em Belém, sem nunca ter retornado para Bolonha, sua cidade natal. Ainda na capital paraense, ele se casa com a filha do dono do antigo Engenho do Murutucu. Relatos históricos apontam que ele chegou a morar no local, que hoje está em ruínas, e uma das hipóteses consideradas é a de que ele tenha sido, inclusive, enterrado ali na região do Engenho do Murutucu.
Obras
Obras do legado de Antônio Landi em Belém, consideradas obras de raiz ou obras completas, que foram iniciadas do ‘zero’ pelo arquiteto
Casa das Onze Janelas
Praça Frei Caetano Brandão – Cidade Velha
Landi é responsável pelo projeto da construção que inicialmente serviu para abrigar um hospital militar e que hoje é conhecida como a Casa das Onze Janelas. Elna Trindade explica que a primeira edificação era uma propriedade de um senhor de engenho chamado Domingos da Costa Bacelar. As obras que compreendiam três casas estavam paralisadas e, então, o Governo da época as comprou e, diante da necessidade de se ter um hospital em Belém, chamou Landi para fazer o projeto.
A execução dessa planta por Landi, para o hospital, foi uma das justificativas dadas pelo governador da época para se conseguir a permanência de Landi na Amazônia, uma vez que já havia encerrado o contrato da expedição que o trouxe para Belém. O Governo, então, pede que os demais membros da expedição retornem a Portugal, porém, na carta que escreve ao rei, solicita a permanência de Landi na Amazônia pois ele estava fazendo serviços importantes para o Governo.
Ele faz o projeto da Casa das Onze Janelas, duas pranchas de desenho, da planta baixa e fachada. Na fachada posterior, a que está voltada para o rio, é possível ver a existência de sacadas, traço da arquitetura italiana bolonhesa. Elemento utilizado, também, dentro do Palácio do Governo e que é uma característica italiana que Landi traz para Belém.
Palácio do Governo
Praça Dom Pedro II – Cidade Velha
Foi construído para ser a sede administrativa e residência dos governadores da capitania. Para esse palácio, foram realizados três projetos de Landi. Assim que ele terminava um projeto, tinha que enviá-lo para a Corte para ser aprovado e esperar voltar a Belém. O terceiro projeto, que é o maior que ele fez, com mais número de detalhes, tem dezessete desenhos. Um volume de desenhos considerável para um prédio do século XVIII. Até hoje existem plantas do Palácio deixadas por Landi que ainda não foram encontradas. Elna Trindade aponta que, desse terceiro projeto, Landi faz dois álbuns, um para o rei e outro para o governador.
Para isso, ele precisou desenhar todas as plantas por duas vezes, à mão livre, já que na época não tinha nenhuma máquina que replicasse um projeto. A construção do Palácio durou três anos, tendo sido iniciadas em 1768.
No Palácio Grão-Pará, Landi projetou ainda uma capela detalhada em cinco desenhos e da qual saiu a primeira romaria do Círio de Nazaré ainda em 1793. Ainda hoje, a capela faz parte do palácio que abriga o Museu Histórico do Estado do Pará (MHEP).
Igreja de São João Batista
Rua João Diogo, s/n - Cidade Velha
Foi uma das primeiras igrejas de Belém. Antes de Landi chegar à então capital do Grão-Pará, a igreja era feita de taipa e coberta de palha, tendo sido construída pelo Capitão-Mor do Grão-Pará, Bento Maciel Parente. A igreja que Landi desenhou já é a terceira versão da igreja. Para ela, Landi fez o projeto de planta, fachada, corte e o desenho de composição das quadraturas, elemento considerado por Elna Trindade como a grande maravilha deixada por Landi na construção.
A arquiteta explica que essa é uma técnica artística de desenho arquitetônico em perspectiva aplicado na parede, que produz uma sensação visual de tridimensionalidade, como se a pintura desse continuidade para aquele espaço. Para percebê-las, ao entrar na Igreja de São João Batista, deve-se atentar para o retábulo principal da igreja, ele faz uma continuidade de colunas, balaustre, guarda-corpo, como se aquele espaço do fundo do altar tivesse continuidade, que se chama de quadratura.
Elna aponta que esta é uma obra artística única, a única quadratura italiana que ainda existe no Brasil e que está dentro da Igreja de São João Batista, em Belém. Landi deixa, inclusive, projetos de como deveriam ser feitos esses desenhos, por isso eles puderam ser reconstituídos. Além do altar principal, os desenhos em quadratura também estão presentes nos dois altares laterais da igreja, marcando essa característica da arquitetura italiana. Outra coisa interessante na igreja e que só se percebe quando se adentra é o fato de a igreja ser de cúpula. Do lado de fora se vê um telhado de duas águas, reto, mas quando se entra e olha para cima, se vê a cúpula da igreja.
Igreja de Sant’Ana
Rua Padre Prudêncio, nº 95 - Campina
Considerada uma assinatura de Landi na arquitetura religiosa, a Igreja de Sant’Ana, cuja pedra fundamental foi lançada por volta de 1760, foi uma construção erguida em função de arrecadações das irmandades do Santíssimo Sacramento, da qual Landi fazia parte, já que era devoto de Sant’Ana. Nesse sentido, Elna Trindade aponta que Landi forneceu o projeto da igreja, considerando que há relatos que apontam que ele não teria cobrado pelo projeto, e contribuiu com recursos e mão de obra para a construção da igreja.
Da Igreja de Sant’Ana, Landi deixa cinco desenhos. Como construção, um aspecto interessante da Igreja de Sant’Ana é que, segundo Elna, ela era uma igreja que não possuía torres. “A Igreja de Sant’Ana não foi construída por Landi com aquelas torres que hoje e que foram implantadas posteriormente, já no século XIX, sob a justificativa de ser uma estrutura indispensável para aquela igreja se tornar a matriz de um bairro”.
Outra característica é a criação de Landi de uma planta típica da arquitetura italiana chamada ‘planta em cruz grega’. “É a única Igreja de Belém que tem a planta em cruz grega, o resto é tudo em cruz latina. Na cruz grega, o cruzamento das duas naves – a principal e a lateral – é feito no centro e esse centro leva uma cobertura de cúpula”, aponta. “Aí está também o traço de Landi registrado na nossa arquitetura”. A presença de cúpula em igrejas de Belém só acontece em outro projeto de Landi, na Igreja de São João, porém, vista de fora, ela fica encoberta pelo telhado. Em Sant’Ana é possível avistar a cúpula desde fora.
Algumas obras atribuídas Landi, nas quais ele faz intervenções ou que não tem projeto assinado, mas que a atribuição é dada pela referência em documentos históricos da capitania ou pela aproximação do traço arquitetônico.
Igreja da Sé (fachada)
Praça Dom Frei Caetano Brandão - Cidade Velha
Igreja do Carmo
Tv. Dom Bôsco – Cidade Velha
Igreja das Mercês
Tv. Frutuoso Guimarães com Gaspar Viana - Campina
Igreja do Rosário dos Homens Pretos
R. Pe. Prudêncio – Campina
Capela Pombo
Tv. Campos Sales - Campina
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