
A violência contra a mulher ultrapassa os limites físicos e deixa marcas profundas na mente e nas emoções. Além dos danos emocionais, o acolhimento jurídico e psicossocial é parte essencial no processo de reconstrução.
A defensora pública Ana Laura Pereira, integrante do Núcleo de Prevenção e Enfrentamento à Violência de Gênero (Nugen) da Defensoria Pública do Estado do Pará, destaca que o enfrentamento à violência de gênero exige preparo técnico, sensibilidade e integração entre diferentes áreas de atuação.
“Os maiores desafios estão na necessidade de capacitação de todas as áreas. O letramento de gênero é essencial. Já tivemos avanços significativos, mas ainda precisamos de uma mobilização social para discutir não só a violência física, mas também a psicológica e todas as outras que fazem parte desse ciclo”, declara a defensora pública.

Ana Laura reforça que o acolhimento humanizado é o ponto de partida para que a mulher se sinta segura ao buscar ajuda: “A assistida que é atendida pela Defensoria logo é encaminhada para o atendimento rápido, só que antes do jurídico, ela passa por um acolhimento psicossocial.”
A violência contra a mulher ultrapassa os limites físicos e deixa marcas profundas na mente e nas emoções. A psicóloga e neuropsicóloga Roberta Rios, especialista em Saúde Mental, explica que os efeitos psicológicos são duradouros e atingem a identidade e a autoestima das vítimas:
“Os impactos psicológicos mais comuns em mulheres vítimas de violência incluem sintomas de ansiedade, depressão, medo constante, culpa, baixa autoestima e dificuldade de estabelecer relações de confiança. Muitas também desenvolvem transtornos pós-traumáticos, especialmente quando a violência é repetida ou ocorre em um ambiente que deveria ser de proteção, como o lar.”
Para Roberta, o trauma emocional não termina quando o episódio de violência cessa. Ele pode se prolongar e afetar a forma como a mulher se vê e se relaciona com o mundo. Por isso, a integração entre assistência jurídica, social e psicológica é essencial para que as vítimas se sintam verdadeiramente amparadas ao buscar ajuda.
O sistema de justiça pode aprimorar o acolhimento das vítimas quando reconhece que a escuta sensível é tão importante quanto a resposta jurídica. Um atendimento humanizado reduz o medo, fortalece a confiança e ajuda a reconstruir a autonomia durante e depois do processo.

Entre as formas mais recorrentes de agressão está a violência psicológica, muitas vezes invisível aos olhos da sociedade. Segundo a profissional: “A violência psicológica se manifesta por meio de humilhações, controle, chantagens emocionais, isolamento e manipulação. Essa forma de agressão destrói lentamente a identidade e faz a vítima duvidar da própria capacidade de reagir.”
Políticas públicas e redes de apoio
Nos últimos anos, o Brasil ampliou o número de políticas públicas voltadas à proteção e à autonomia das mulheres. Além das legislações que estruturam o enfrentamento, como a Lei Maria da Penha (2006) e a Lei do Feminicídio (2015), surgiram programas que fortalecem a rede de acolhimento e ampliam o acesso à justiça.
Entre eles, destacam-se:
Programa Mulher, Viver sem Violência, que integra serviços de saúde, segurança e justiça em um mesmo espaço, como nas Casas da Mulher Brasileira;
Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, que articula ações entre União, estados e municípios;
Programa de Prevenção à Violência Doméstica com a Estratégia de Saúde da Família (Previne), que capacita profissionais da saúde para identificar sinais de violência;
Núcleo de Prevenção e Enfrentamento à Violência de Gênero (Nugen), da Defensoria Pública do Pará, que oferece atendimento jurídico e psicológico especializado, medidas protetivas e orientação social.
Essas iniciativas refletem o entendimento de que o enfrentamento à violência de gênero depende de ações articuladas entre políticas públicas, acolhimento e letramento de gênero.
Educar para evoluir: a Educação como força no enfrentamento à violência de gênero
A Psicóloga Crissia Cruz, Doutora e Mestra em Psicologia pela UFPA, Pós-doutoranda em Psicologia na UnB e Especialista em Saúde da Mulher e da Criança (Residência Multiprofissional UEPA/FSCMP), amplia essa discussão ao destacar que a educação é uma das principais ferramentas para romper o ciclo da violência, mas deve ser pensada de forma crítica e integrada à luta contra o machismo estrutural.
“A violência não é um fato dado, ela está atrelada aos papéis de gênero. Enfrentar a violência é enfrentar a estrutura machista e a lógica patriarcal que naturaliza a submissão feminina. Desconstruir papéis de gênero não significa negar as diferenças, mas romper com a ideia de que a mulher deve ser submissa e o homem, dominante.”

Crissia ressalta que a escola tem papel essencial na formação de crianças e adolescentes capazes de reconhecer e rejeitar práticas de desigualdade e abuso. “A escola é um espaço fundamental para instruir, mas não pode carregar sozinha essa responsabilidade. É preciso uma rede social e institucional comprometida com a igualdade.”
Ela também aponta que as universidades têm papel transformador, seja na produção de conhecimento crítico, seja na formação de profissionais preparados para acolher sem revitimizar. Nesse sentido, a pesquisa acadêmica pode subsidiar políticas públicas e legislações mais eficazes.
A psicóloga reforça ainda que a extensão universitária deve dialogar diretamente com a comunidade, promovendo ações que aproximem o saber acadêmico da realidade das mulheres em situação de violência: “Historicamente, a universidade foi feita de muros. É preciso derrubá-los para que a extensão atue para o social. Assim, formamos profissionais críticos e comprometidos com a comunidade.”
O enfrentamento à violência contra a mulher exige mais do que leis: requer sensibilidade, educação, pesquisa e empatia. A união entre saúde mental, políticas públicas e formação cidadã constrói os caminhos possíveis para uma sociedade em que mulheres possam viver livres do medo e plenamente potentes por suas histórias.
Onde buscar ajuda?
No Pará, as mulheres vítimas de violência podem procurar:
- Delegacia da Mulher (DEAM) – especializada em violência doméstica e familiar;
- Defensoria Pública do Estado do Pará – oferece orientação jurídica gratuita;
- Centro de Referência de Atendimento à Mulher (CRAM) – apoio psicológico e social;
- Disque 180 – canal nacional de atendimento e denúncia.
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