Um estudo divulgado no último dia 16 na revista Paleontology aponta que os restos de tecido preservados no corpo de um réptil fóssil da Itália foram forjados utilizando tinta preta.
O fóssil, conhecido como Tridentinosaurus antiquus, foi escavado em sedimentos com idade estimada no Permiano Inferior (aproximadamente 280 milhões de anos atrás) dos Alpes italianos.
Sua preservação excepcional, com vestígios do que seriam tecidos moles, como pele e músculos, fizeram do material um dos mais emblemáticos do período no país.
Porém, o que antes se acreditava ser uma marca de pele fossilizada de milhões de anos é, na verdade, tinta preta, que foi usada para delinear o contorno do animal, segundo pesquisadores da UCC (Universidade College de Cork), na Irlanda.
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A descoberta do T. antiquus ocorreu em 1931 na região do Vale Pinè, no norte da Itália (a 30 km de Trento), e o fóssil foi amplamente estudado como um dos representantes das linhagens iniciais de répteis no continente, parte do grupo conhecido como Protosauria.
Tais estudos foram feitos sem a utilização de técnicas modernas de análises paleontológicas, surgidas nos últimos 20 anos. Por isso, os cientistas que o estudaram no passado não identificaram que a impressão era, na verdade, forjada.
"A origem do vestígio preto não pôde ser determinada pela análise a olho nu ou usando um microscópio normal", explica a pesquisadora da Escola de Biologia, Terra e Ciências Ambientais da UCC e primeira autora do estudo, Valentina Rossi. "Somente nos últimos anos, com o desenvolvimento de técnicas não destrutivas para estudo de fósseis, conseguimos identificar a sua verdadeira composição."
A forma do fóssil se assemelha a um lagarto, com braços e pernas longos e cinco dedos nos pés e mãos. Os ossos preservados no espécime -fêmur, fragmentos de tíbia e fíbula e osteodermas, que são placas dérmicas calcificadas, porém, são de difícil visualização, o que levou especialistas a considerarem o contorno preto como algum tipo de carbonização do corpo -processo em que o carbono presente na matriz rochosa substitui tecidos vivos.
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A partir de uma combinação de microscopia eletrônica de varredura, espectroscopia (medida da radiação emitida por moléculas) e raios-X, a equipe liderada por Rossi identificou que as moléculas de carbono no contorno do animal não são de origem natural, ou seja, não são elementos presentes nos tecidos moles de organismos vivos.
Além disso, a forma de organização das moléculas como grânulos de diferentes tamanhos, e não em células tridimensionais, como são conhecidos os melanócitos -células de pigmento em tecidos animais-, também foi outra pista que ajudou a desvendar a verdadeira natureza do fóssil.
"O meu passo inicial nessa pesquisa foi abordar a investigação com a mente aberta, isto é, sem nenhuma ideia pré-concebida da composição do contorno preto, e testar se era de origem natural. Quando percebi que não tinha nenhuma estrutura biológica ou assinatura biomolecular [traços deixados por proteínas e outras moléculas produzidas pelos seres vivos] no material, eu expandi a busca para materiais não fósseis, como colas, resinas e tintas que são, às vezes, usadas para a preparação paleontológica", disse.
No artigo, os autores concluem que o espécime "não apresenta as características básicas de um fóssil de vertebrado com tecidos preservados", o que geralmente inclui uma condição ou de fossilização muito rápida (um evento de morte seguido de soterramento, por exemplo) ou altas taxas de enxofre (ambientes aquáticos de baixa movimentação de sedimentos).
Nesses casos, é comum encontrar a impressão ou até mesmo elementos de pele e músculos do animal preservado. São alguns desses exemplos os fósseis encontrados na Bacia do Araripe, a maior bacia fossilífera do país, entre os estados do Ceará, Piauí e Pernambuco, ou a formação Lagerstätte, na Alemanha, onde foi encontrado o famoso fóssil Archaeopteryx, uma das aves primitivas mais conhecidas.
É incerto, porém, como foi que a tinta foi parar lá, se foi algo feito intencionalmente pelo descobridor do fóssil para aumentar o seu valor científico ou se isso ocorreu posteriormente, quando o material foi levado para a coleção do Museu da Natureza e do Homem, em Pádua (Itália). Rossi afirma que qualquer tentativa de explicação sobre o que ocorreu seria especulativa, no mínimo.
De qualquer forma, a nova descoberta abalou o conhecimento paleontológico na Itália e, principalmente, jogou luz em um problema cada vez mais comum de falsificação de fósseis e de artefatos históricos. "Certamente, é preciso repensar a importância tanto evolutiva quanto paleontológica de T. antiquus agora que foi definido que o contorno do fóssil não é natural. Mas o fato de existirem alguns ossos preservados é animador, pois pode ajudar a entender a evolução daquele grupo de répteis e até mesmo levar a novos trabalhos de campo para buscar outros fósseis", disse.
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