Pelo menos 6 ONGs de Belém que receberam dinheiro do Propaz, no ano passado, podem ser fantasmas: elas não foram localizadas, pela Auditoria Geral do Estado (AGE), nos endereços que registraram na Receita Federal. Nos locais em que dizem funcionar, os servidores da AGE encontraram apenas estabelecimentos comerciais, residências e até imóveis abandonados ou em reforma.
As 6 fazem parte de um conjunto de 45 Organizações Sociais Civis de Interesse Público (OSCIPs) que receberam mais de R$ 12 milhões do Propaz, apenas em 2018, a partir de emendas de parlamentares ao Orçamento Geral do Estado (OGE). Desse total, as 6 receberam mais de R$ 2 milhões. Além da AGE, também o Ministério Público Estadual (MP-PA) investiga o caso. O antigo Propaz era ligado a Izabela Jatene, filha do então governador Simão Jatene.
A inspeção in loco aos endereços registrados por essas entidades começou, em Belém, na terça-feira (15), por determinação do auditor geral do Estado, Giussepp Mendes, devido às várias tentativas infrutíferas de entregar-lhes notificações, para que prestem informações à AGE. Ela abriu investigação sobre o caso, em junho último, após uma denúncia da nova administração do Propaz.
É que dessas 45 ONGs apenas 4 haviam prestado contas do dinheiro que receberam e nas 4 prestações havia graves indícios de irregularidades. Segundo Giussepp Mendes, as inspeções serão estendidas a toda a Região Metropolitana e ao interior. Até porque foram detectados problemas até nos endereços das ONGs localizadas: uma delas, por exemplo, funciona em uma escola pública.
O primeiro indício de uma ONG fantasma foi detectado em junho: ao tentar entregar uma notificação ao Instituto para Formação Política, Sindical, Ambiental e Profissional da Amazônia (Instituto Polis), que recebeu mais de R$ 385 mil do Propaz, a AGE constatou que o endereço não passava de “uma edificação em ruínas” e que os vizinhos nunca tinham ouvido falar da ONG.
Na semana passada, vieram outras 5 possíveis fantasmas, que receberam R$ 1,668 milhão: a Associação Esportiva Amazon/AEA (o endereço é de uma loja de produtos esportivos e papelaria); a Organização Social Grão Pará/OSGP e o Instituto Internacional Socioambiental do Brasil/Iisab (os endereços, sem placas indicativas das entidades, estavam fechados); Associação Aliança da Amazônia (o imóvel está em reforma, mas há inscrições, em um muro, indicando que ali funcionava um restaurante ou lanchonete); Associação Movimento Popular Unificado de Belém/ MPUB (o endereço é de uma residência e, segundo vizinhos, a ONG nunca funcionou lá).
Inspeção
A inspeção abrangeu 11 ONGs e ocorreu entre os dias 15 e 17. Além das possíveis fantasmas, também foram encontradas irregularidades nos endereços de 4 das 6 ONGs localizadas. A “sede” da Associação Carnavalesca Mocidade Unida do Umarizal, que recebeu R$ 180 mil do Propaz, é a casa do presidente do Conselho Fiscal. A Associação Amigos da Terra Firme, contemplada com R$ 225 mil, funciona em uma creche-escola infantil. Já a Federação Paraense de Jiu-Jitsu (FPJJ) e a Associação Beneficente Esportiva Arte Suave, cada uma contemplada com R$ 300 mil, têm o mesmo endereço.
Das 11 inspecionadas só duas escaparam: o Grupo para Valorização, Integração e Dignificação do Doente de AIDS – Grupo Paravida, que foi localizado no endereço que consta na Receita e disse ter enviado à AGE um documento para prorrogação do prazo de prestação de contas dos R$ 200 mil que recebeu; e a Associação Carnavalesca Império Jurunense, cujo presidente disse já ter enviado a prestação de contas dos R$ 250 mil que lhe foram repassados.
O auditor geral do Estado explica que ONG tem de ter sede, que é o domicílio fiscal dela, “que não pode se confundir com o endereço de seus associados ou dirigentes”. Ou seja, uma ONG não pode “funcionar” na residência de alguém, “porque isso pode criar conflito de interesses e desvio de finalidade”.
Ele também ressaltou os problemas já identificados nos R$ 12 milhões que o Propaz repassou a essas 45 OSCIPs, a começar pela falta de prestação de contas, que é uma obrigação legal de qualquer ente que receba dinheiro público, e os indícios de irregularidades nas poucas prestações de contas que foram apresentadas.
Propaz
O Propaz foi criado para melhorar o atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência. Mas acabou sob suspeita de fraudes licitatórias, superfaturamento e uso eleitoreiro.
Durante anos, foi comandado por Izabela Jatene, filha do então governador, Simão Jatene. Ela coordenou o programa desde 2011 até dezembro de 2014. E, em janeiro de 2015, quando ele virou uma fundação, tornou-se a sua presidente. Mas só ficou no cargo até março daquele ano, porque assumiu a Secretaria Extraordinária de Integração de Políticas Sociais, que Jatene criara para ela.
Mas continuou dando as cartas por lá. A nova secretaria coordenava a área social do governo, da qual o Propaz fazia parte. Além disso, os dois presidentes que a sucederam na fundação, o economista Jorge Bittencourt e a pedagoga Mônica Altman, foram auxiliares dela, desde 2011, ocupando cargos de confiança no Propaz.
Em abril de 2017, Izabela trocou a Secretaria de Políticas Sociais pela Secretaria Extraordinária de Municípios Sustentáveis, que o governador também criara para ela.
Prestações de contas têm indícios de irregularidades
O Instituto Polis, a Associação Beneficente e Esportiva Arte Suave, a Federação Paraense de Jiu Jitsu e a Associação Beneficente Amigos da Família foram as únicas 4 OSCIPs que prestaram contas, antes de a AGE começar a investigar o caso. Mas essas prestações contêm indícios de irregularidades.
Há notas fiscais sequenciais e sem recibos; compra do mesmo produto com valores diferentes; falta da relação das pessoas treinadas ou capacitadas; notas fiscais datadas de novembro de 2018, para serviços realizados quatro meses antes, em julho, quando os recursos foram sacados; falta de comprovação da devolução do dinheiro que sobrou; saques diários e em espécie.
Ainda mais suspeito é que uma mesma empresa, a MR Moraes Edificações Ltda, forneceu notas fiscais para as 4 OSCIPs, e por serviços tão diferentes quanto alimentação e aluguel de veículos, para os quais não há registro no seu CNAE (a Classificação Nacional de Atividades Econômicas).
Segundo a Receita, a principal atividade da empresa é a instalação de portas, janelas, tetos, divisórias e armários embutidos e todas as suas atividades secundárias também são ligadas à construção civil.
CONDENAÇÃO
Outro fato é que o Instituto Polis (cujo endereço é uma “edificação em ruínas”) nem receber esses R$ 385 mil do Propaz poderia. Desde 2017, a ONG e o seu ex-presidente, Edivaldo dos Santos Guimarães, estão condenados, pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), a devolver R$ 133 mil ao erário. A condenação (que transitou em julgado) decorreu de irregularidades em um convênio com a Fundação Cultural Tancredo Neves, em 2012, e levou, inclusive, à impugnação da candidatura de Edivaldo a deputado estadual, nas eleições do ano passado, pelo Ministério Público.
No último 13 de junho Edivaldo foi condenado a devolver R$ 345 mil ao erário, devido a um convênio da Polis com a antiga Ação Social do Palácio do Governo (Asipag), em 2010.
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