Ir ao supermercado ou à feira se tornou um suplício para muitos consumidores nos últimos meses. O desafio é maior na luta para encher o carrinho com o básico suficiente para alimentar uma família por um mês. A conta não bate e o salário acaba muito antes do final do mês.
Apesar do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) – inflação oficial do país – apresentar uma queda de 0,68% em julho, a inflação anual está acima dos dois dígitos há 11 meses seguidos. Segundo os dados do IBGE, no acumulado dos últimos 12 meses, a inflação registrou 10,07%. No ano, a inflação acumulada é de 4,77%.
Bares e restaurantes projetam alta de 5% no faturamento
Houve “deflação” apenas nos grupos de Habitação (-0,37%), transportes (-5,24%) e comunicação (-0,30%). Os grupos que registraram alta foram os de alimentação e bebidas (1,12%), artigos de residência (0,08%), vestuário (0,76%), saúde e cuidados pessoais (0,81%), despesas pessoais (0,81%), educação (0,61%).
O IPCA negativo é explicado pela queda nos preços dos combustíveis, em particular da gasolina, e da energia elétrica. Essa queda foi ocasionada a partir da medida de redução nas alíquotas do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), pela Lei Complementar 194/2022, de junho deste ano.
TRAJETÓRIA
Everson Costa, técnico e pesquisador do Dieese/Pará lembra que estamos numa trajetória de queda da inflação nos últimos dois meses e isso se deve, segundo ele, à queda da alíquota do ICMS nos Estados cobrado em cima da habitação no que se refere à da energia elétrica em todo o país. “Mas talvez a redução mais sentida pela população decorrente da redução dessa alíquota foi no grupo dos transportes pela redução do preço da gasolina”, explica.
Ocorre que a redução da carga tributária ocorreu em apenas 2 grupos (energia e combustíveis), ficando fora 7 grupos, incluindo a alimentação, um dos mais importantes na hora de se medir a inflação no país. “Por essa razão que os paraenses e muitos brasileiros não percebem a queda no custo de vida e de desaperto no seu orçamento, principalmente porque nosso Estado ainda depende demais da importação e alimentos de outros Estados. Hoje mais de 60% do alimento que se consome no Pará vem de fora”, revela.
Tradição mantém boas vendas dos lanches de rua
Apesar da redução no preço dos combustíveis, Éverson observa que os fretes ainda estão muito caros e o país ainda atravessa uma entressafra forte, com quebra e aumento de custo de produção, seja da carne, ovos, frutas e verduras. “Até ocorrem quedas pontuais de preços em alguns produtos, mas que ainda não são suficientes para aliviar o bolso das famílias, cujo orçamento não consegue fechar e o dinheiro não consegue durar até o final do mês”.
O técnico ressalta que a queda no valor da gasolina é importante, mas a baixa no preço do combustível que realmente deve impactar de maneira mais abrangente a economia é o do diesel, principal insumo que impacta no custo do frete.
“O último recuo no diesel colocado pela Petrobrás já faz um tempo e a redução até o momento ainda não foi suficiente para impactar o custo do frete é isso complica muito para o Pará em razão da sua distância do centro-sul do país e pelo grau de dependência na importação e seus alimentos. Esse ano as hortaliças, legumes, frutas e verduras acumulam reajuste esse ano de quase o dobro da inflação”, justifica.
Éverson reforça ainda que o custo de vida e a inflação para os paraenses é um dos mais elevados do país. “De janeiro a agosto deste ano a cesta básica já subiu esse ano cerca de 14%, percentual bem acima da inflação, custando em média hoje R$ 635,00, comprometendo quase 60% de quem ganha um salário mínimo aqui, sendo que a população ocupada do Pará hoje gira na casa dos 3,8 milhões de pessoas e, desses, mais da metade recebe apenas um salário mínimo de renda, sobrando muito pouco para o pagamento das outras dívidas. Hoje cerca de 70% dos paraenses estão endividados”, calcula.
As próximas semanas serão decisivas para avaliar a queda no custo da alimentação do paraense, sobretudo se o preço do diesel continuar decrescendo. “Se até o final do ano também continue a queda nos preços de outros bens e serviços, poderemos ter uma melhora no poder aquisitivo e sentir realmente essa baixa da inflação no nosso bolso.
Os trabalhadores que não recebem o salário mínimo e que dependem de negociações para reajustar seus vencimentos também não vêm tendo ganho salarial real não apenas no Pará, mas no país como um todo. “A geração de empregos até vem crescendo nos últimos meses, mas a renda vem recuando graças a essa conjuntura toda que já citei antes, situação que foi ainda mais agravada pela pandemia”, observa.
Baixas não se sustentam no longo prazo
O economista Luiz Carlos Silva avalia que a queda no índice de inflação deve-se principalmente à alta dos juros básicos da economia, já que a taxa Selic se encontra em 13,75% ao ano, o que inibe o consumo das famílias principalmente em compras a crédito. “Outro fator importante foi a baixa de preços administrados, como é o caso dos combustíveis e energia elétrica. Entretanto essas baixas não se mantêm no médio e no longo prazo é podemos classificar como artificiais”, aponta.
Em relação aos alimentos, que para o cálculo da inflação que considera entre os vários grupos pesquisados mais de 400 itens, essa baixa nos preços não é notada por diversos fatores, diz o economista, dentre eles a sazonalidade de alguns produtos e as questões climáticas que determinaram a quebra de safra de muitos produtos, causando a diminuição na oferta
“Chama atenção a falta de investimentos por parte do governo federal na agricultura familiar, principal responsável pelo abastecimento interno de gêneros alimentícios, sendo que a inflação dos alimentos afeta de forma mais perversa a população de menor poder aquisitivo, pois quanto menor a renda das famílias mais elas utilizam essa renda na aquisição de alimentos. Com a inflação elevada, menor a quantidade de alimentos essa parcela, que é a maior da população, pode adquirir”, explica.
No caso do Pará Luiz Carlos também cita como agravante o fato do Estado importar cerca de 80% dos gêneros alimentícios consumidos aqui e o fato do diesel não ter sido afetado com a redução de impostos o frete continua elevado, causando elevação no preço final dos produtos.
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