A violência doméstica no Brasil tem números alarmantes. Dar oportunidade para mulheres vítimas de violência é prioridade para o estado do Pará.
Para muitas mulheres, conseguir um emprego vai além de uma conquista financeira; é uma vitória pessoal. Aos 54 anos e com três filhos, R.P.M. viveu um relacionamento abusivo por 11 anos. Com a maioria das mulheres que vivenciam essa realidade, ela dependia emocional e financeiramente do ex-companheiro, que a perseguia por ciúme até no local de trabalho.
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“Ele tomava conta do meu dinheiro. O dele era dele, e o meu também era dele”, relembra. Muitas vezes, ela ia trabalhar com o rosto machucado e inventava desculpas para esconder a verdade. “Eu dizia que tinha caído da escada ou no banheiro. Ninguém acreditava, mas acabava perdendo o emprego por conta da situação, porque as pessoas tinham medo”, conta a vítima.
Segundo o relato de R., o pior momento foi quando, após uma série de agressões, ela foi trancada em um quarto por 15 dias, até melhorar a aparência dos hematomas no rosto. “Quando fui solta, tive pensamentos suicidas. Mas não queria deixá-lo impune, por isso resolvi procurar ajuda e fiz a denúncia”, reforça R.
Nesta fase, entrou na vida dela o acolhimento e atendimento oferecidos pela Fundação ParáPaz, órgão do Governo do Pará. “Quando cheguei na ParáPaz Mulher fui muito bem recebida. Fui ouvida, sem julgamentos, e resolvi denunciar na mesma hora. Voltei pra casa mais calma e comecei a frequentar os encontros com as psicólogas”, informa.
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Após um ano e nove meses de separação, R. enfrentou um período difícil. Estava desempregada e precisava sustentar sua família. Com a orientação das profissionais na Unidade Integrada ParáPaz, há dois meses ela trabalha, com a carteira assinada, e sente orgulho dessa conquista.
“Perdi amigos, trabalho, e hoje não tenho vergonha do que passei. Fui uma vítima, e o importante é a mulher que me tornei. Agora, posso comprar minha alimentação, pagar minhas contas, comprar minhas coisas. Não podemos aceitar esse tipo de violência. Precisamos nos libertar, nos amar, deixar o medo de lado, porque é possível”, assegura.
Oportunidade e dignidade
A transformação na vida de R. não é um caso isolado. Ela integra um grupo de mulheres que, por meio da parceria entre governo do Estado e empresas terceirizadas, conseguiu romper o ciclo de violência e recomeçar.
Entre junho e julho de 2024, mais de dez mulheres, nos municípios de Belém e Ananindeua (na Região Metropolitana), foram inseridas no mercado de trabalho com base na Lei nº 9.945, publicada em junho de 2023 no Diário Oficial do Estado, e no Acordo de Cooperação Técnica assinado com o Tribunal de Justiça do Estado do Pará.
Alberto Teixeira, presidente da Fundação ParáPaz, destaca que o compromisso da instituição é garantir que essas mulheres tenham a oportunidade de reconstruir suas vidas de forma digna e segura, e para tanto a parceria é crucial na implementação de políticas públicas.
“Essa iniciativa é uma ferramenta poderosa contra a dependência financeira, que mantém tantas mulheres presas em relacionamentos abusivos. Portanto, nosso objetivo é continuar proporcionando o apoio necessário para que elas recomecem com dignidade”, ressalta Alberto Teixeira.
Recomeço
Hoje com 59 anos, L.S.G.S. também viveu por muito tempo um casamento abusivo, sem perceber que estava sendo vítima de violência doméstica. O choque veio com a agressão física. Em julho de 2019, ela procurou ajuda na Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam), onde conseguiu o acesso à medida protetiva. Com o apoio da equipe multidisciplinar da Fundação ParáPaz, transformou sua realidade.
"Minha vida recomeçou desde o dia em que coloquei os pés no ParáPaz Mulher, em Ananindeua. Se não tivesse tomado essa atitude de força e coragem, hoje seria mais uma na triste estatística. Foi fundamental para mim. A cada passo que dava, a equipe estava lá, me apoiando e me dando forças”, informa L.
Recentemente, ela conseguiu um novo emprego, que “veio na hora certa”. “Eu estava passando por necessidades, que só eu e Deus sabíamos. Consegui finalizar meu curso superior, e agora já penso na minha pós-graduação. Minhas expectativas são as melhores, e tenho certeza que daqui pra frente será só sucesso”, afirma.
Liberdade financeira
Segundo a assistente social Rosa Maria Paes, também coordenadora do ParáPaz Mulher Ananindeua, muitas mulheres não possuem fonte de renda própria, por isso são obrigadas a permanecer em ambientes abusivos. A inserção no mercado de trabalho é uma saída.
“Damos o suporte, e elas são orientadas e preparadas para as entrevistas. Assinam termos de consentimento, conforme a Lei de Proteção de Dados. Auxiliamos até na elaboração dos currículos, tudo para que elas sejam bem-sucedidas e conquistem autonomia econômica”, explica Rosa Paes.
De acordo com a Lei nº 9.945, poderá ser instituída cota correspondente entre 3% e 5%, do total de postos de trabalho ofertados em serviços contínuos e de dedicação exclusiva de mão de obra, para mulheres em situação de vulnerabilidade decorrente de violência doméstica e familiar, tipificadas na Lei nº 11.340/2006 - Lei Maria da Penha.
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