Quando optou por ter sua primeira filha em casa, Edna Abreu, 42 anos, estava segura. Naquele momento, o mundo inteiro pararia para ver a filha Cecília, que sem pressa batia à porta. Em sintonia com o marido, Edna reuniu forças e, no meio da manhã do dia 27 de novembro, no escuro do quarto do apartamento em Botafogo, bairro carioca onde morava na época, ao som de Chico Buarque, ela deu à luz. “Quantos artistas entoam baladas para suas amadas com grandes orquestras. Como os invejo. Como os admiro. Eu, que te vejo. E nem quase respiro”, cantarola Edna seis anos depois, relembrando a música que inspirou o nome dado à primogênita.
Consciente, a professora universitária lembra que a decisão seguiu o processo de amadurecimento natural da gestação sem ser pautada por qualquer tipo de modismo ou insegurança. Durante nove meses, ela leu, participou de grupos de mães e conversou com diversos profissionais. “Parir em casa é para mim algo muito natural. Minha mãe teve doze filhos, todos em casa, é assim desde que o mundo é mundo. Eu não queria para mim um parto medicalizado, tecnocrático”, justifica Edna, que também teve o segundo filho, Danilo, 3 anos, em casa, no escuro e de novo com música. “É um momento mágico. Senti todo o meu poder de mulher. Pude amamentar meus filhos ainda ligados pelo cordão umbilical. Meu marido esteve comigo todo o tempo. É um sentimento inexplicável”, afirma.
Situação semelhante viveu há 12 dias a estudante Bruna Barros. Aos 18 anos, ela também fez a opção pelo parto domiciliar e ainda vive a lembrança. “Cada momento, movimento, contração, vale a pena. Sentia que estávamos trabalhando juntas, eu e minha filha, no tempo dela e isso é perfeito”, conta a mamãe de primeira viagem que pariu em pé. “Eu escolhi como, o que e quem queria na hora do parto. A surpresa foi tê-la de pé. Foi a posição em que me senti mais confortável”, destaca Bruna.
DOULAS
Em ambos os casos, as mães foram acompanhadas por médicos durante o pré-natal, mas na hora de dar à luz optaram pelo chamado parto domiciliar, realizado por uma equipe de dois enfermeiros obstetras e acompanhado pela quantidade escolhidas de familiares e doulas (do grego, “mulher que serve”), pessoas responsáveis por dar apoio às gestantes antes, durante e depois do parto.
“Somos a cabeça pensante da mulher na hora em que ela não pode pensar. Ela precisa está centrada naquele momento. A nós, doulas, cabe o papel de conciliar a emoção e a razão”, sintetiza Thaissa Rocha, que desempenha a função há cinco anos e acompanhou 87 partos. “A gente defende o direito de escolha da mulher. Primamos pela escolha informada de cada família como preconiza a Organização Mundial da Saúde (OMS)”, argumenta a doula, que, em setembro de 2007, fundou o Ishtar, um grupo de apoio à gestação e ao parto ativo, humanizado.
“Não há gravidez sem risco”
De acordo com o enfermeiro obstetra Horácio Bastos, defensor do parto humanizado domiciliar, essa é uma forma de assistência ao casal em que a mulher toma para si o papel de protagonista, que é seu direito. “É uma forma de a mulher viver a sua plenitude. Ela está no centro do processo. Escolhe onde e como quer parir. Esse é um direito humano que precisa ser respeitado”, afirma o enfermeiro, que trabalha na área há 20 anos e há sete atende mulheres que optam por ter seus filhos em casa na capital paraense. “Nós apenas conduzimos a mãe. O parto é da mulher, é ela quem controla o momento”, faz questão de destacar Horácio, lembrando que o pré-natal e o acompanhamento médico são indispensáveis durante a gravidez, já que nem toda mulher pode se submeter ao procedimento.
“Nós primamos o bem estar clínico da mãe e do bebê. Sempre há um plano B para o caso de qualquer intercorrência. Só podem ter parto em casa mulheres com riscos habituais comuns à gravidez. Diabetes, pressão arterial elevada, problemas cardíacos ou nos rins são situações que impedem o nosso trabalho em casa”, esclarece.
COMPLICAÇÕES
Para o membro da diretoria da Sociedade Paraense de Ginecologia e Obstetrícia, Lucio Izan, não há problema com o parto domiciliar, e sim com as complicações que podem surgir durante o procedimento. Para ele, em caso de partos realizados fora do ambiente hospitalar, o ideal é a proximidade com o hospital e com a equipe médica preparada para qualquer situação de emergência. “No caso de qualquer complicação durante o parto, o tempo é fundamental para a vida da mulher e da criança. Não existe gravidez sem risco, há baixo risco, mas não se pode garantir que não haverá necessidade de uma intervenção médica e a mulher também precisa saber disso”, alerta o médico, que atende a mães e a filhos há 30 anos.
O médico defende o parto humanizado nos hospitais e diz que em Belém isso já é realidade no Hospital das Clínicas Gaspar Viana, onde trabalha. “Eu prefiro chamar de parto mãe natureza porque chamá-lo humanizado significaria dizer que tudo que fizemos para trás foi desumano, o que não é verdade. Com esse parto a gente dá mais conforto à mãe, é melhor para a família e se torna emocionante, mas sempre com a garantia e o suporte do hospital”, defende.
(Diário do Pará)
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