O palco era simples, a plateia vibrante, e nos bastidores, Cristiano Aguiar segurava a emoção pela ponta. Assistia a uma lenda viva da cultura paraense, o Mestre Verequete, entoar os versos do carimbó que ecoavam por ginásios de Parauapebas, Canaã dos Carajás e Marabá. Era a última turnê do "Rei dos Tambores", meses antes de seu falecimento, e cada acorde parecia carregar séculos de tradição.
Para Cristiano, aquele não era apenas mais um projeto como produtor cultural. Era a materialização de um ciclo virtuoso: o investimento privado irrigando a cultura local, que, por sua vez, alimentava artistas, motoristas, donos de pousadas e um orgulho identitário que nenhuma estatística consegue medir. Era a economia regenerativa, modelo econômico além da sustentabilidade e que busca restaurar e regenerar ecossistemas, comunidades e economias locais, que começava a ser posta em prática.
Enquanto a atenção global se volta para Belém, sede da COP30 em 2025, o debate sobre modelos de desenvolvimento para a Amazônia ganha urgência. Entre as várias alternativas em discussão, uma se destaca não pelo volume de recursos, mas por sua capacidade comprovada de regeneração social: a economia da cultura. Diferente de ciclos extrativistas que se esgotam, esse modelo cria raízes, gera frutos permanentes e transforma identidade em riqueza compartilhada.
A trajetória de Cristiano Aguiar parece saída de um roteiro sobre os novos empreendedores da Amazônia. Formado em Ciências Contábeis, com especialização em Gestão Financeira, ele encontrou sua vocação não em planilhas, mas nos bastidores do teatro. Da atuação na Usina de Teatro da Unama, migrou para a produção, descobrindo na logística, figurino e iluminação sua verdadeira paixão.
"Produzi a Paixão de Cristo em Canudos, uma encenação que acontece há mais de 40 anos no bairro", relembra. "Depois, fui convidado para produzir a Mostra Estadual de Teatro da FESAT, cuidando de hospedagem, transporte e alimentação de grupos de todo o estado."
Em 2015, criou a Intera Produções e Eventos, percebendo que o mercado exigia profissionalização. "Trabalhamos com leis de incentivo — Rouanet, Semear — e editais. Foi assim que nos estruturamos e ampliamos atuação para diversos municípios." Seu projeto "Carimbó na Orla", que circulou por cidades do Pará e Maranhão, é um dos frutos desse ecossistema.
O que diferencia Cristiano é sua capacidade de traduzir em números o valor da cultura. "Um real investido em cultura retorna quase o dobro para o caixa da empresa — tanto pelo desconto fiscal, via lei de incentivo, quanto pela visibilidade da marca nos projetos apoiados." Seu olhar de contador enxerga o que muitos gestores ainda ignoram: cultura é investimento, não gasto.
"O Pará é um estado de dimensões continentais, com presença industrial forte, mas ainda são poucas as empresas privadas que investem com regularidade em cultura", analisa. "Os empresários precisam acreditar no potencial da cultura amazônica e no impacto transformador que ela pode gerar para toda a região Norte."

Coordenado por Cristiano, projeto "Carimbó na Orla" agregou culturas entre o Pará e o Maranhão após edital do Instituto Cultural Vale. Veja mais no vídeo parte da apresentação onde o carimbó encontrou o Cacuriá, em São Luís do Maranhão.
ICV, o Instituto que conecta os dois Brasis
Enquanto produtores como Cristiano atuam na ponta, uma estratégia de larga escala é executada pelo Instituto Cultural Vale (ICV), que se tornou o maior investidor privado em cultura do país. Os números impressionam: entre 2020 e 2024, foram R$ 1,228 bilhão aplicados em mais de mil projetos. Para 2025, estão previstos mais R$ 198 milhões em 208 projetos via Lei Rouanet, espalhados por 22 estados.
"Trabalhamos com uma premissa que gostamos de repetir: apoiamos projetos que todo mundo conhece e projetos que todo mundo precisa conhecer", define Hugo Barreto, diretor-presidente do ICV.
De um lado, os "tesouros consagrados", como a Bienal de São Paulo (apoiada há mais de meio século), o Museu do Ipiranga, o Museu Nacional e Inhotim. Do outro, iniciativas como o "Mulheres de Barro", cooperativa de Parauapebas que nasceu de fragmentos cerâmicos encontrados em escavações da mineração e hoje gera renda para artesãs locais.
A "circulação" tornou-se marca registrada do instituto. "Levamos a Bienal de São Paulo, pela primeira vez em 57 anos, para São Luís e Belém", orgulha-se Barreto. "Fizemos o mesmo com exposições de Brecheret e mostras sobre democracia. Apoiamos o restauro da Cinemateca Brasileira com a condição de que parte do acervo fosse exibida no Norte e Nordeste."
No Pará, os números mostram uma estratégia deliberada de foco regional: crescimento de 115% nos investimentos desde 2020, totalizando quase R$ 145 milhões. Só para 2025, são R$ 32,5 milhões em 30 projetos via Lei Rouanet.
SAIBA MAIS SOBRE OS INVESTIMENTOS:


A Mineração do futuro e a conexão emocional
Para a Vale, o investimento cultural é parte essencial de uma transformação ainda maior: a construção da "mineração do futuro". Leandro Modé, diretor de eventos da empresa, explica a lógica: "A Vale é uma empresa B2B — não vendemos diretamente ao consumidor final —, mas a conexão emocional é fundamental, e a arte é um instrumento poderoso nesse processo."
Sobre a participação na COP30, Modé é enfático: "Estaremos fortemente presentes, como em todas as edições. Teremos uma importante discussão sobre o papel da mineração para o futuro do mundo, considerando a descarbonização e a transição energética."
Sua fala revela uma mudança de paradigma: "Não queremos transmitir a ideia de que a mineração é um mal necessário. Pelo contrário: é um bem necessário, e a forma como praticamos é fundamental. Não se trata da mineração do passado, mas de uma mineração moderna, integrada ao meio ambiente e respeitosa com as comunidades."
ESG Cultural
Essa visão encontra ressonância no que especialistas começam a chamar de "ESG Cultural". Ana Cláudia Moraes, gerente executiva de cultura do SESI Pará, defende que a sustentabilidade na cultura vai além da questão ambiental.
"A pauta ESG na cultura reflete o compromisso do SESI em integrar sustentabilidade, responsabilidade social e governança às práticas culturais. Trata-se de compreender o impacto que a arte e a cultura geram nas pessoas e nos territórios”, explicou.
Segundo ela, "o diálogo ESG Cultural promove um encontro entre indústria, produtores e agentes culturais, criando espaço para discutir desafios e construir caminhos de sustentabilidade e ética no setor."
Os benefícios, argumenta, são múltiplos: "Fortalece o desenvolvimento sustentável, promove práticas culturais mais responsáveis e estimula empresas a investirem em projetos com impacto social positivo."
Ministério da Cultura acompanha com entusiasmo a política de incentivo
Os investimentos feitos pela mineradora, assim como o valor sustentável que a cultura tem é diretamente acompanhado pelo Minc, como avalia Enilton Menezes, secretário de incentivo e fomento do Ministério da Cultura.
Ouça o áudio!
Museus, música e infraestrutura cultural
Enquanto os conceitos evoluem, na Amazônia surgem equipamentos que materializam essa transformação. No dia 4 de outubro deste ano, o Museu das Amazônias foi inaugurado no Galpão 4 do Porto Futuro, em Belém.
"É a maior exposição já realizada sobre a Amazônia, com 900 m² de área expositiva e curadoria da equipe do fotógrafo Sebastião Salgado", afirmou Hugo Barreto. O museu é resultado de uma parceria entre o Governo do Estado, o BNDES, o Ministério da Ciência e Tecnologia e o Instituto Cultural Vale.

Paralelamente, programas como o Vale Música criam oportunidades para mais de 1.000 estudantes em quatro estados, incluindo o Pará. "O programa contempla intercâmbios entre estudantes e professores dos polos de formação, aulas com músicos de orquestras profissionais patrocinadas pela Vale e residências artísticas", detalha Barreto.
A Chamada Instituto Cultural Vale, por sua vez, disponibiliza R$ 30 milhões para projetos de todo o Brasil, com foco em música, dança, patrimônio imaterial e festividades. Em 2024, recebeu 3.133 inscrições, o segundo maior número em sua história.
O Círio como fenômeno cultural e antropológico
Nem mesmo as manifestações religiosas escapam ao olhar estratégico do instituto, especialmente quando se trata de uma das maiores procissões a céu aberto do mundo, como o Círio de Nazaré, festa religiosa tradicional que ocorre em Belém no segundo domingo de outubro.
"Apoiamos o Círio de Nazaré há mais de 20 anos", lembra Barreto. "Patrocinamos a restauração da Basílica de Nazaré, tombada como patrimônio histórico, e diversas agendas culturais, como a Varanda da Fafá."
A visão, explica, vai além do religioso: "Enxergamos o Círio como um fenômeno social, cultural e antropológico — um patrimônio da humanidade que simboliza a identidade do povo paraense."
Megaeventos como vitrine global
O ano de 2025 promete transformar Belém em um polo de atrações culturais de nível internacional. A cidade recebeu o show de Mariah Carey e o espetáculo "Amazônia para Sempre", entre outros eventos com apoio da Vale.
São vitrines que colocam a capital paraense no roteiro global do entretenimento, gerando impacto econômico imediato na rede hoteleira, gastronômica e de serviços. Mas, como ressalta Hugo Barreto, o objetivo transcende o espetáculo momentâneo.
"Queremos fortalecer o circuito cultural do Pará e da Amazônia. Desde a criação do Instituto, já apoiamos cerca de 90 projetos no Pará, sendo 30 apenas neste ano, e mais de 200 em toda a região amazônica.”
"Com isso, buscamos criar hábitos culturais, formar público e estimular o acesso à arte em regiões que historicamente receberam menos investimento. É um trabalho de longo prazo que contribui para a sustentabilidade econômica e cultural da Amazônia."

Apoio ao protagonismo
Enquanto os grandes projetos tomam forma, Cristiano Aguiar segue sua missão de base, olhando para o futuro com a sabedoria de quem conhece os dois lados do balcão — o do artista e o do gestor.
"O Pará é um estado de dimensões continentais, com uma cultura riquíssima e única", reflete. "Nossa dança, música, culinária e folclore expressam uma identidade própria. Aos poucos, o Brasil tem começado a descobrir essa riqueza."
Sua fala ecoa a de Dira Paes, que certa vez disse que "nós, do Norte, conhecemos o Brasil, mas o Brasil ainda não nos conhece". Para Cristiano, essa realidade está mudando, mas não na velocidade necessária.
"Apesar dessa grandiosidade, os incentivos públicos destinados à região Norte ainda são escassos. Precisamos de mais investimentos — públicos e privados — para que toda essa diversidade cultural seja devidamente apresentada ao Brasil e ao mundo."
Sua mensagem final é um misto de convite e desafio: "É fundamental que deixemos de ser coadjuvantes e passemos a ocupar o papel de protagonistas da nossa própria história. E, para isso, o investimento cultural é essencial."
Na véspera da COP30, enquanto o mundo debate o futuro da maior floresta tropical do planeta, a lição que emerge das comunidades, dos produtores culturais e dos investidores de visão é clara: a verdadeira economia regenerativa para a Amazônia não está apenas no que se extrai do solo, mas no que floresce da alma de seu povo. É uma economia que não consome, mas multiplica; não esgota, mas revitaliza; não passa, mas permanece.
Como bem resume Hugo Barreto: "A cultura é parte essencial da sustentabilidade, e o Instituto Cultural Vale trabalha dentro dessa visão. Estamos há 40 anos na Amazônia, acreditando que investir em arte é investir em desenvolvimento humano e ambiental."
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