
Quando se fala em commodities estratégicas, o pensamento geralmente vai para o petróleo, o chamado “ouro negro” que move a economia em todo o mundo. Mas no Brasil, um outro recurso agrícola mostra potencial equivalente: a cana-de-açúcar.
Sustentável, renovável e com uma cadeia produtiva consolidada, a planta oferece oportunidades inéditas para biocombustíveis, produtos químicos e materiais plásticos, abrindo caminho para uma indústria verde em larga escala.
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Especialistas explicam que a cana vai muito além da produção de etanol e açúcar. Com tecnologia e investimento, subprodutos da planta podem ser transformados em SAF (combustível de aviação sustentável), biobunker para transporte marítimo, hidrogênio renovável, combustíveis sintéticos (e-fuels) e até plásticos.
Thiago Lopes, professor da USP e coordenador do Laboratório de Células a Combustível, compara a planta ao petróleo. “Hoje já produzimos etanol e, a partir do CO2 gerado na fermentação, podemos obter metanol verde, usado na fabricação de plásticos, fibras têxteis, embalagens e borrachas sintéticas, produtos que ainda dependem do petróleo”.
O potencial da cana não se limita à química. Subprodutos como vinhaça e CO2, combinados com processos de geração de hidrogênio e oxigênio, abrem espaço para combustíveis renováveis estratégicos. O hidrogênio verde, por exemplo, pode alimentar células a combustível que produzem eletricidade sem poluição, ou servir de base para a amônia verde, essencial para fertilizantes e futuro combustível de navios.
Além de sustentável, a cana é distribuída e renovável, diferentemente do petróleo, concentrado em poucos países. “Com os avanços tecnológicos, a cana deixa de ser apenas fonte de etanol e açúcar, tornando-se a base de uma nova indústria química verde”, completa Lopes.
Empresas brasileiras já demonstram que o futuro está na biomassa. O Grupo Boticário utiliza polietileno verde, derivado do etanol da cana, em embalagens de mais de 2 mil produtos, além de aproveitar o bagaço para produzir EcoÁlcool em perfumes, evitando a emissão de 127 mil toneladas de gases de efeito estufa desde 2021.
A Raízen, empresa parceira do Grupo Boticário, investe no etanol de segunda geração (E2G), que aproveita resíduos da planta, reduzindo a pegada de carbono em até 80% comparado à gasolina.
No setor de transportes, a cana mostra grande versatilidade: além do E2G e do etanol comum, já se produzem bioeletricidade, biogás e biometano a partir da biomassa. Pesquisas avançam na aplicação de hidrogênio verde em ônibus, caminhões e navios, metanol verde para veículos pesados e SAF para a aviação.
O Brasil é o segundo maior produtor mundial de etanol, atrás apenas dos EUA. Mas especialistas afirmam que o país tem capacidade de ampliar exportações e liderar o fornecimento global de biocombustíveis de baixo carbono.
Segundo Alexandre Alves, da Embrapa Agroenergia, a produtividade da cana supera a do milho americano. “Enquanto o milho rende 4 a 5 mil litros de etanol por hectare, a cana brasileira produz em média 7 mil litros, podendo chegar a 10 mil litros com o etanol de segunda geração”.
Entre 2003 e 2025, o uso de etanol evitou a emissão de mais de 730 milhões de toneladas de CO2, equivalente ao plantio de 5,1 bilhões de árvores ao longo de 20 anos. Além disso, os processos de colheita e industrialização já permitem aproveitamento quase integral da planta: caldo para etanol; bagaço e palha para eletricidade e E2G; vinhaça e torta para biogás; CO2 para e-fuels.
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Para consolidar o Brasil como líder em energia limpa, especialistas defendem investimentos em infraestrutura, logística, certificações internacionais e marcos regulatórios para captura e armazenamento de carbono. “O país já cultiva mais de 8 milhões de hectares de cana, com potencial de expansão sobre pastagens degradadas, sem pressionar biomas sensíveis. Ou seja, a cana pode ser considerada o novo petróleo verde”, conclui Alves.
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