No momento em que a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Nazaré é colocada na Berlinda enfeitada com flores, à porta da Catedral Metropolitana de Belém, uma multidão de fiéis preenche cada pequeno espaço e a acompanha ao longo de todo o caminho percorrido até a Basílica Santuário de Nazaré. Mas o trajeto que tanto caracteriza o Círio de Nazaré nem sempre foi este. Desde que a primeira procissão saiu às ruas de Belém, ainda no dia 8 de setembro de 1793, foram incontáveis os marcos históricos que levaram a romaria a se tornar a maior manifestação católica do povo paraense e, para muitos, a maior festa religiosa do mundo.
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Diante de uma Belém ainda marcada pelo período Colonial, em que eram comuns conflitos sociais entre portugueses e as populações escravizadas e indígenas, um objetivo em comum passou a unir os diferentes atores que figuravam na sociedade àquela época, a devoção a Nossa Senhora de Nazaré. Após o achado da imagem pelo caboclo Plácido, quando o local que abrigava a imagem da Virgem de Nazaré ainda era uma pequena ermida, a devoção popular resultou no fluxo frequente de pessoas que visitavam o local. Foi o ponto de partida para a realização do primeiro Círio de Nazaré da história de Belém.
O professor de história e cientista da religião, Márcio Neco, lembra que o Círio é uma experiência de fé que desde muito cedo contou com uma devoção popular intensa e que chamou a atenção do então Governador do Estado do Pará, Francisco Souza Coutinho. “O então o Governador Francisco Souza Coutinho vai perceber que no mês de setembro, ali naquela região, era grande o número de pessoas que iam anualmente fazer agradecimentos, levar ofertas, pagar promessas, então, ele pensa em criar uma feira, uma espécie de arraial. É quando ele vai estabelecer que no dia 8 de setembro de 1793, à tarde, haveria uma grande procissão. Então, o governador da época vai testemunhar essa fé e vai criar um Círio nos moldes do Círio de Portugal”, explica. “Hoje em dia, existe grande diferença do Círio de Belém para o Círio de Portugal. Em Portugal o Círio sofreu intervenções da Igreja local, do Estado, mas o Círio daqui continua. É possível percebermos no Círio de Belém elementos ainda de um período colonial, mas que também incorporou outros elementos da fé da Amazônia”.
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Ainda que a devoção a Nossa Senhora tenha iniciado, em Belém, a partir de uma camada popular, em uma pequena cabana construída no local onde teria ocorrido o achado da imagem, o professor lembra que desde o primeiro Círio de Nazaré já se observam a participação de representantes do Estado - na figura do próprio Governador que organizou a primeira procissão - da Igreja Católica, e também de militares. “É uma devoção completamente popular, mas o Governador, que já representava o Estado, também vai inserir a Igreja. Por isso que o primeiro Círio vai sair com padres, com autoridades eclesiásticas, com militares, com outras pessoas de grande importância na sociedade da época e de populares”, explica Márcio Neco. “Eu poderia dizer que o Círio foi uma grande ferramenta de união, como é até hoje. Até hoje as pessoas de religiões diferentes, de partidos diferentes, de crenças diferentes e de ideologias diferentes se unem no Círio. Então, naquele contexto de uma Belém Colonial, onde nós tínhamos muitos conflitos sociais, o Círio vai ser a grande ferramenta de união, de congregar todas essas diferenças em torno de uma fé, de uma devoção”.
TRAJETO
Para que essa união se refletisse nas ruas de Belém, o então Governador Francisco Souza Coutinho decide buscar a Imagem de Nossa Senhora de Nazaré, que ficava na pequena ermida onde hoje se encontra a Basílica Santuário, e levá-la para o Palácio do Governo para que, no dia seguinte, fosse conduzida na grande procissão. Não apenas o ponto de partida, como o próprio trajeto do primeiro Círio foi bem diferente do que se conhece hoje. “O primeiro Círio vai sair da capela do Palácio do Governo e não vai fazer esse trajeto que nós temos hoje. Ele saiu do que hoje é a Praça Dom Pedro II, mas que na época era o Largo do Palácio, e vai em direção até o que hoje é o Complexo Feliz Lusitânia”, explica o professor. “Isso porque ali era o centro do poder eclesiástico e militar. Na Igreja de Santa Alexandre ficava o colégio dos padres jesuítas e o arcebispado e do lado, onde hoje é a Casa das Onze Janelas, era um quartel, além de do lado também ter um hospital para os pobres”.
Dessa forma, ainda sem Berlinda e carregada no colo do Capelão do Palácio do Governo, a Imagem de Nossa Senhora saiu da capela do Palácio e foi seguida pelos fiéis em direção ao que hoje é o Complexo Feliz Lusitânia, depois seguindo pela antiga Rua do Espírito Santo, em direção à Igreja do Carmo. “Nós não tínhamos ainda o Palácio Antônio Lemos, sede do poder municipal, então a procissão passou no Paço Municipal, onde estava o Intendente da época para homenagear também a Santa. Depois ela voltou e pegou a atual João Alfredo, que já foi chamada de Rua da Cadeia, depois seguiu para a Rua Santo Antônio e dobrou na antiga Avenida dos Mirandas, que depois passou a ser a Avenida 15 de agosto e que hoje em dia é a Avenida Presidente Vargas”.
Ao passar pelo antigo Largo da Campina, hoje a Praça da República, a procissão segue em direção a um caminho que, na época, ainda precisava passar por roçagem. Era a antiga Estrada do Maranhão, que hoje é Avenida Nazaré, a única avenida de Belém que nunca trocou de nome desde que foi batizada. “Assim, então, o primeiro Círio chegou até onde hoje nós temos a Basílica Santuário, que na época era uma pequena ermida onde estava acontecendo uma feira, um arraial. Esse foi o primeiro Círio de Nazaré em Belém”.
Confira alguns marcos históricos do Círio de Nossa Senhora de Nazaré.
- 1793 - O primeiro Círio de Nossa Senhora de Nazaré saía da capela do Palácio do Governo em direção até onde hoje se encontra a Basílica Santuário de Nazaré. O trajeto foi mantido até o ano de 1882. A partir de então, o bispo Dom Macedo Costa e o então presidente da província Justino Ferreira decidiram que a procissão passaria a sair da Catedral da Sé, percurso mantido até hoje.
- 1854 – O Círio passa a ser realizado sempre no período da manhã. Até esta data, a procissão poderia ser vespertina ou até mesmo noturna, porém, em função das chuvas que acometiam a procissão, decidiu-se por fixá-la no período da manhã.
- 1901 – No início da tradição, o Círio não tinha data certa para ocorrer, podendo ser realizado nos meses de setembro, outubro ou novembro. Em 1901, porém, o bispo Dom Francisco do Rêgo Maia determinou que a procissão seria realizada sempre no segundo domingo de outubro.
- 2000 – Ocorre a procissão que é considerada o Círio mais longo da história. Na ocasião, a Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Nazaré chegou à Basílica Santuário às 15h45. A corda foi mantida atrelada à Berlinda durante todo o percurso.
Fonte: Dossiê do Círio de Nazaré - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
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